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"A quem tem sede eu darei gratuitamente de beber da fonte da água viva."(Ap 21,6-b)

 

Cura do Geraseno

 


Saúde Mental, Direção Espiritual e Oração Contemplativa

 


Por William Ryan, M.A.
Tradução do inglês: Jandira S. Pimentel, publicado aqui com autorização do autor, a quem agradecemos. Thank you Bill, God bless you!


Origem, Desenvolvimento e Orientação.


"Durante anos trabalhando no ministério da oração contemplativa e como diretor espiritual, recebi um grande número de consultas sobre a relação entre doença mental e a prática da oração contemplativa e a experiência transformativa decorrente da última. Além de ser um professor de oração contemplativa e diretor espiritual, sou conselheiro clínico e trabalhei no campo da saúde mental por trinta anos, (nos EUA) muito desse tempo em clínicas mentais comunitárias. Passei também grande parte desse tempo trabalhando tanto com desordens mentais de maior complexidade, como as de caráter transitório ou distúrbios emocionais.


Doença Mental

Até recentemente, os seres humanos não haviam compreendido as causas da doença mental. Agora se sabe que muitas formas das principais doenças mentais são distúrbios cerebrais. Isto inclui o Transtorno Bipolar, Depressões Profundas, Desordens Esquizofrênicas, Distúrbio do Pânico e outros. As principais desordens mentais são causadas por desequilíbrio na química cerebral. Em tempos mais antigos, porque essas doenças não eram compreendidas e eram atribuídas a possessões demoníacas, doenças espirituais ou de algum outro tipo. Isto se deu com grande dano às pessoas mentalmente doentes, que eram vítimas do medo e da incompreensão. Em nosso tempo muitas pessoas, não todas, já descartaram a teoria de forças demoníacas como causa de doença mental ou emocional. Contudo, há outras noções causais mais sutis e igualmente perigosas, que permanecem em nosso sistema de crenças, sugerindo que a doença mental, na verdade, qualquer doença, pode ser um sintoma de desarmonia espiritual em nosso relacionamento com Deus ou com nosso próprio ser mais profundo.


Causas da Doença Mental

Essas idéias que a doença tem uma relação causal com a saúde espiritual ou harmonia, causam um grande desserviço a pessoas com doença mental ou outra doença física. (Por favor, notem que eu digo *outra* porque as principais doenças mentais *são* doença física no cérebro.) Em toda minha vida conheci entre meus amigos, em meu círculo de professores e companheiros espirituais, e em minha própria família, excelentes praticantes de oração e meditação, muitas pessoas boas e amáveis, que eram afligidas por formas variadas de distúrbios mentais ou emocionais. Estes distúrbios aconteceram através de fatores desvinculados do amadurecimento espiritual ou a resistência da pessoa. Na maior parte dos casos era por herança ou predisposição genética. Acrescentemos que pesquisas recentes com o cérebro (imagem PET) revelam mais ainda sobre as áreas do cérebro afetadas por uma forma particular de doença mental e o correspondente desequilíbrio químico que ocorre.


Atitudes em Relação à Doença

Muitos de nós, sem uma reflexão profunda, adotamos uma forma de pensar inconsciente, mágica, otimista, de que podemos de alguma forma ser menos vulneráveis às doenças e aflições, se formos espiritualmente maduros ou espiritualmente sintonizados, ou se de alguma forma estamos em maior harmonia com Deus. No tempo de Jesus, aqueles que eram leprosos, ou que tinham aflições ou doenças mentais eram marginalizados e acreditavam estarem sendo punidos por Deus. As curas realizadas por Jesus, além da cura física em si, eram mais no sentido de tirar aquelas pessoas do isolamento e envolvê-las no abraço da comunidade humana.
No mais profundo de cada um de nós há um medo da doença, da perda do controle e da morte. Entre as nossas mais profundas e arraigadas motivações, que estão ligadas aos nossos desejos de segurança, é a crença errônea de que podemos estar seguros, salvos, invulneráveis, (num sentido físico e psicológico) se de alguma forma, estivermos bem com Deus. Essas crenças ilusórias, geralmente aparecem de modo destrutivo. Relembro com tristeza amigos meus, pais de uma criança morrendo de câncer, que começaram a ser evitados pelos vizinhos cristãos e seus filhos. Eles ouviam afirmações insinuando, que, por exemplo, eles não deviam estar agindo corretamente com Deus, para uma situação tão aflitiva estar acontecendo em sua família. Lembro-me dos comentários ferinos ouvidos por minha esposa, tanto ditos pelo capelão fundamentalista, e por um terapeuta da 'Nova Era', de que devia haver alguma coisa errada em nossa família, para que nosso filhinho de um ano estivesse morrendo de leucemia. Numa hora em que famílias e pessoas mais precisam de apoio da comunidade eles geralmente enfrentam esquivamento, isolamento, e culpa da parte daqueles que atribuem causas espirituais para aflições naturais da humanidade.


Vulnerabilidade e Força

Em nossa cultura somos viciados por uma quase obrigatoriedade em sermos saudáveis e estarmos no controle. Frequentemente ainda tentamos colocar nossas práticas espirituais a serviço dessa ilusão tão destrutiva. Se refletirmos sobre os Evangelhos, na mensagem de Jesus nas Bem-Aventuranças, torna-se claro que é através da nossa aceitação da vulnerabilidade e nossa radical entrega a Deus, que nos abrimos a um relacionamento íntimo com o Bem-Amado. Tentativas fúteis de proteger nosso 'eu' e estratégias de invulnerabilidade são claramente destinadas ao fracasso. Esta afirmação e aceitação de nossa humanidade e fragilidade é o meio pelo qual nos abrimos a uma maior confiança e dependência de Deus. É pela nossa humanidade e consequente fragilidade que chegamos à Comunhão com Deus, não pela negação ou escapando para a ilusão. Somos vasos de barro contendo a Água Viva, somos lâmpadas acesas que brilham com a Vida de Cristo, se nos entregarmos sem reservas ao Divino. As feridas psicológicas inconscientes e não curadas de toda uma vida afetam sim, nossa capacidade de sermos esse vaso aberto à Vida Divina dentro de nós. Mas é através de nossa prática de auto-entrega, desejo, e compromisso, que estas feridas são oferecidas ao Amor de Cristo e à cura. Desse modo nossa confiança na ação de Deus dentro de nós, se aprofunda, e nossa capacidade de ser um instrumento do amor de Deus a serviço dos outros se expande. Isto não significa necessariamente que nossas aflições são tiradas de nós. Isto pode significar que aprendemos a usar nossas aflições humanas e vulnerabilidades para aprofundar nosso enraizamento em Deus e nossa busca de refúgio nele apenas, mais do que em nossas ilusões, invulnerabilidade e bem-estar.


Prática Contemplativa e Aflições Humanas

A prática da Oração Centrante, da Oração do Coração, em silêncio e quietude na vida diária, é um meio pelo qual aprendemos a nos ancorar no Coração de Cristo, em nosso próprio coração. Desse modo, aprendemos a viver a vida na completude e inteireza do Amor Divino em nosso coração ou espírito verdadeiro, enquando abrimos nossa alma, nosso inconsciente humano ferido ao poder curador de Cristo. Mais do que algo que se alcance num determinado momento, isto é um processo para toda a vida e enquanto seres humanos, sempre estaremos necessitados de cura. Precisaremos de apoio contínuo e confiança na graça de Deus para viver com o problema, encontrar forças para estar com aquela pessoa querida que sofre as aflições que a vida coloca no nosso caminho. Nossos sofrimentos não são punições, mas são a matéria prima para nossa caminhada para Deus. Eles podem se tornar o meio pelo qual nos abriremos a uma maior capacidade de amar e sermos gentis conosco mesmo e com os outros, e para servirmos com compaixão ao mundo em que vivemos. (Meu pai sempre disse que o alcoolismo, que em sua essência é uma doença do cérebro, foi o seu meio pessoal de salvação e transformação.) Transformação e cura através da oração contemplativa não irá remover nossos dirtúrbios do cérebro, ou do resto de nossos corpos. Porém irá nos firmar na prática da comunhão íntima com Deus a tal ponto que seremos capazes de suportar nossos transtornos e nosso sofrimento e com eles, aprenderemos a amar e a servir mais profundamente, não apesar deles, mas por causa deles.


Contra-indicações para a Prática da Oração Contemplativa

As principais desordens mentais são distúrbios do pensamento e das emoções. A origem desses distúrbios é o desequilíbrio ou disfunção de certos neuro-transmissores do cérebro. Esses neuro-transmissores mediam as sinapses no cérebro que regulam o funcionamento da mente, corpo e das emoções. A medicação psiquiátrica em graus variados é uma tentativa de corrigir esses desequilíbrios. Nos últimos trinta anos, a eficácia dessa medicação aumentou de tal maneira, que muitos dos sintomas dessas desordens já podem ser controladas, particularmente as desordens do humor, tais como Transtorno Bipolar e Depressões Profundas. Os resultados podem variar mais com desordens do pensamento, tais como Esquizofrenia ou outras formas de psicoses. Geralmente se pensa que pessoas com distúrbios mentais podem praticar formas de oração contemplativa sem efeito colateral, quando os sintomas estão controlados. Nos casos em que os sintomas não podem ser controlados, particularmente quando há evidência dos mesmos, tais como psicoses (delírios ou alucinações), ou distúrbios de humor extremos (mania ou depressão profunda), formas de oração contemplativa apofáticas (sem palavras, silenciosa), podem ser contra-indicadas e se tornar difíceis ou impossíveis, por causa da interferência do sintoma com o processo da oração. Nesses casos, outras formas de oração e devoção devem ser recomendadas.


Psicoterapia e Prática Contemplativa

Deve-se notar que entre os distúrbios psicológicos que causam transtornos e prejuízo na qualidade de vida, estão frequentemente também aqueles causados pelos condicionamentos da vida, ou as "feridas existenciais". Isto pode incluir algumas das desordens da ansiedade, tais como Distúrbio do Stres Pós-Traumático, Distúrbios de Ajustamento e alguns Distúrbios da Ansiedade. Tais condições geralmente respondem à psicoterapia ou medicação ou a combinação dos dois. Contudo, novamente eles não são atribuídos a um pequeno desenvolvimento espiritual e devem ser encaminhados a aconselhamento profissional para tratamento. A transformação contemplativa pode ser complementada por formas adequadas de psicoterapia.


"Noite Escura"

Como diretor espiritual e praticante da oração contemplativa, defrontei-me tanto com a terminologia quanto com a experiência, referidas na linguagem da tradição Cristã como "noite escura", ou outras metáforas para a transição ou transformação. A "noite dos sentidos" e a "noite do espírito", foram muitas vezes confundidas com sintomas de distúrbios psicológicos ou psiquiátricos. Muitos tornaram popular a confusão entre algum tipo de transição dolorosa na vida, que podem envolver depressão ou piora no humor, desafio existencial, perdas, etc, com as mudanças que ocorrem na terminologia da "noite escura". Como clínico posso afirmar com segurança que há distinções específicas entre essas experiências, sintomas ou doenças mentais, distúrbios, e passagens espirituais, referidas na literatura como "noite escura". Diretores espirituais com larga experiência com a prática contemplativa e a transformação e algum conhecimento de aconselhamento clínico, devem estar capacitados a avaliar e articular essas distinções. Faltando-lhes a especialização clínica, devem procurar aconselhamento de saúde mental quando necessário.


Resumindo

Deve-se afirmar claramente e inequivocamente que não há relação causal entre doença mental e desenvolvimento espiritual ou por falta dele. Estas doenças ocorrem independentemente de nossa prática e desenvolvimento espiritual. A vida espiritual pode ajudar uma pessoa a enfrentar ou suportar com mais coragem e liberdade um distúrbio mental, tanto quanto ajudaria em qualquer outra forma de doença física, mas a aparência do transtorno tem sua etiologia em nossa disposição genética, nossa bioquímica, e não nossa vida espiritual. Isto é verdade quanto a distúrbios do cérebro e também quanto a outras desordens física, como Diabetes, Mal de Parkinson, Lupus ou qualquer outra doença crônica ou aguda.
Se uma pessoa que pratica Oração Contemplativa, Oração Centrante, Oração do Coração, como sua principal prática, tiver também uma doença mental tal como o Transtorno Bipolar ou Depressão Profunda, a coisa mais importante a fazer é seguir fielmente a prescrição médica psiquiátrica e outras intervenções psicoterapêuticas, para controlar os sintomas da desordem, do mesmo modo que um diabético faz uso da insulina e outros medicamentos para tratar sua desordem física. No campo espiritual uma disciplina de uma prática de oração intensa irá ajudar essa pessoa a refugiar-se na Comunhão íntima com Deus, estejam os sintomas presentes ou ausentes. A uma pessoa que busca a Deus seriamente, deve ser dito que ela pode ter um distúrbio mas ela não é um distúrbio (em sua identidade) e ela deve refugiar-se no Coração de Cristo apenas, como a origem de sua identidade verdadeira e sua essência como Filho/Filha de Deus. Nossa caminhada para a transformação e crescimento no amor e compaixão, é aprender a usar as aflições humanas como passagens para a prática de um profundo refúgio no santuário interior do Reino de Deus, dentro de nossos corações, no centro de nosso ser. Não temos escolha quanto ao sofrimento que a vida nos traz. Mas, temos uma escolha quanto a responder com desespero e aflição, ou se vemos nossas aflições e vulnerabilidades como meios para uma busca de maior refúgio no amor indestrutível e infalível da vida de Cristo em nós."

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