Pantocrator

Quem é o Pai

Por D. Basil Pennington, OCSO

Não é fácil para nós nos relacionarmos realmente com Deus, o Pai. Existem tantas imagens por aí. Ele é o criador que nos chama. Ele é a energia divina de amor que mantém este projeto como um todo se movendo na direção de sua consumação. Ele é o Deus do Sinai, extraordinário, impressionante, poderoso, amedrontador, distante.

Nosso Deus é o Deus do Templo de Salomão. Majestoso. Envolto em uma nuvem que mantém o povo distante. E então, Jesus aparece.

Imagine caminhar por uma rua poeirenta em Gaza e ver um camarada pequeno de cabelos encaracolados sair por uma das portas das pequenas casas pobres de lá e começar a gritar a plenos pulmões "Abba! Abba!" Com isso podemos começar a ter alguma idéia do que Jesus estava falando quando ele ousou dizer que Deus é Abba, Pai. E podemos começar a ver porque aqueles honrados defensores da Lei quiseram condená-lo à morte por tal blasfêmia. O Deus do Sinai, o Deus do Templo é Abba? É o Papai deste camponês carpinteiro? Ele está blasfemando!

Nós todos temos nossas imagens do Pai. De algumas maneiras, talvez o Senhor não tenha facilitado isso para nós. Ele ousou comparar o Pai em algumas formas com os pais humanos: "Quem de vós que tendo uma criança que pedisse um ovo daria uma pedra? Uma criança que pedisse um peixe (ou um cachorro quente) e desse uma serpente? Se aqueles de vocês que são maus sabem como ser bom para suas crianças, quanto mais seria vosso Pai no céu." Nós todos tivemos experiências de pai. Talvez estas tenham sido experiências de ausência. Ele nunca estava ali. Ele nunca se preocupou. Ele nunca proveu. Tem havido pais que tem estado ali, mas tem sido emocionalmente ausentes. Ou têm sido os disciplinadores? Os autoritários? "Espere até que seu pai chegue do trabalho, ele cuidará de você."  E mesmo que o pai tenha sido um pai dedicado, algumas vezes as imagens podem ser difíceis.

Eu gostaria de compartilhar uma carta com vocês. Eu a recebi de fato alguns anos atrás, em 1989. Ela foi escrita por um padre que tinha 82 anos naquele tempo : Pe. Jim Walsh, um Paulino. Ele me escreveu :

“Caro Padre Pennington, Eu soube de você através do seu resumo biográfico publicado na edição de Julho de 1989 da Extension. Eu li o seu sumário biográfico e prestei atenção especial ao seu nascimento no Brooklyn, que é também meu local de nascimento nos crimes juvenis. Eu não me lembro confessando meus crimes juvenis, mas que seja. Eu notei também que você nasceu em 1931, o ano que eu saí para iniciar minha vida com os padres Paulinos no St.Charles College em Maryland. Antes de partir para estudar para o sacerdócio, eu fui empregado como assistente de engenheiro no departamento de engenharia da companhia telefônica de Nova Iorque. Durante meus primeiros dias no departamento, eu era um mensageiro que à noite ia para o Pratt Institute para estudar engenharia.

Um dos engenheiros era um homem bonito, refinado,gentil e bondoso que andava, falava e agia com uma dignidade benigna. Ele se tornou meu amigo e auxiliador. Ele supervisionou meus estudos como um pai ensinando a um filho. Ele era um convertido à fé Católica. E era um exemplo de seus ensinamentos. Eu muitas vezes me lembro dele com um leve sorriso em sua face refinada, esplêndida e bonita conforme ele andava com confiança. Ele era um Israelita sem perfídia. Um homem que parecia ser a personificação da prece. Ele poderia ter sido um bom Cartuxo. E é de fato apropriado que ele devesse ser o pai de um sacerdote que mostra seu amor por Deus e pelo homem. Eu tenho certeza, Padre, que ele era muito orgulhoso de você.

Eu tento manter vivas as pessoas que amo ao lembrar e relembrar a imagem delas. Minha querida mãe é uma destas pessoas. Dale Pennington é outra. Assim como Deus gera seu Filho através de pensamento e amor, eu também crio as pessoas que amei em pensamento. Assim eu não sou um homem velho de 82 anos, eu me faço sem idade ao relembrar as pessoas que fizeram minha vida jovem. A fundação para a minha vida futura, imitar pessoas como você e seu pai que vivem no dedicado serviço a Deus. Como você pode ver, Padre Pennington, eu sou um homem de poucas mil palavras, mas é muito fácil escrever sobre aqueles que se ama e venera, especialmente um homem e um santo como seu pai que deu entusiasmo e luz a todos que conheceu. Estou certo que estas palavras, também, descrevem você como filho de seu pai.”

Uma bonita carta para se receber 50 anos após meu pai ter morrido. Mas, ao ler esta carta naquele dia, eu de repente me apercebi do fato que eu estava intensamente bravo com meu pai. Ele era este homem magnífico que de maneira tão bonita apadrinhou este outro sacerdote, e ainda assim ele me abandonou ao morrer quando eu tinha sete anos de idade. E depois disso, nós tivemos uma vida muito pobre e difícil nos anos da Depressão. E minha mãe não melhorou isso ao fazer o que ela pensou que era bom. Ela amou meu pai. Ela adorou o chão sobre o qual ele havia caminhado. E ela nos contou repetidamente como ele havia trabalhado e, embora tendo um problema de coração adquirido enquanto servia à Marinha, se esforçado até a morte para construir esta bonita casa para nós, Eu estava bravo porque este homem fora tão estúpido em não cuidar de si mesmo e se matar construindo uma casa e assim não estar nela para nós, seus filhos, quando nós precisávamos dele.

Minha mãe nunca se casou novamente. Ela teve muitos pretendentes maravilhosos : médicos, oficiais navais, advogados. Mas devido à veneração da memória de meu pai, desejando que nós víssemos somente ele como nosso pai, ela disse não a cada um desses pretendentes. Quão melhor nossa vida teria sido se ela tivesse dito sim. Assim eu realmente estava ressentido com meu pai. Eu estava bravo com meu pai. E aquela raiva estava lá por todos estes anos e eu não sabia dela até o dia em que recebi esta carta. Este bonito sacerdote repetiu o que eu tinha ouvido muitas vezes antes. Meu pai era evidentemente um dos homens mais extraordinários, bons e santos, mas eu não o conhecia. Eu não recebi o benefício disso. É claro, eu tinha que me libertar daquela raiva. Mas o quanto aquela raiva influenciou meu relacionamento com Deus ao longo destes cinqüenta anos, Deus, meu pai? Nós temos imagens. E estas imagens criam nossas atitudes e estas atitudes levam às nossas ações.

Nós todos temos imagens de Deus. Se você anotasse as primeiras palavras que aparecem quando você pensa em Deus, estas são suas imagens primitivas de Deus. Se você anotar honestamente as primeiras palavras que aparecem quando você pensa no pai, estas seriam suas imagens primitivas do pai. Você pode então olhar para elas e perguntar : Como elas se combinam? Muitos de nós temos coisas a perdoar em nossos pais. E mesmo nosso Deus. Parte de crescer é finalmente aceitar o fato que nossos pais, como nós mesmos, são pobres pecadores fracos e estúpidos. Nós nunca poderemos agradecê-los o suficiente pelo maravilhoso presente da vida e nós sabemos disso agora mais do que nunca nestes dias de abortos. Mas mesmo que eles tenham feito o melhor de si, eles falharam de muitas maneiras. E muitos de nós sofremos um bocado de uma forma ou de outra por causa de nossos pais.

Nós temos que encarar isso. Nos libertarmos disso. E abrir o espaço para uma imagem do pai que seja proveniente de outra fonte. Uma fonte mais verdadeira : nosso Senhor Jesus. “Felipe, eu tenho estado todo esse tempo com você e você ainda não sabe que o Pai e eu somos um? E eu sou o Pai e o Pai está em mim? Aquele que me vê, vê o Pai.”

Jesus é tão estritamente “tal pai, tal filho”, se é que eu posso assim dizer. A perfeita imagem e semelhança de Deus. E isso é através dele, através da forma em que ele fala, mas também da maneira que ele vive a totalidade da estória do Evangelho. “ Tudo foi confiado a mim por meu Pai. Ninguém conhece o Filho exceto o pai. Da mesma forma que ninguém conhece o Pai exceto o Filho e aqueles a quem o Filho escolhe revelá-lo.”

Se nós quisermos conhecer o pai, se nós quisermos conhecer Deus, o Senhor do céu e da terra, Abba, devemos nos virar para o Filho e o Filho o revelará para nós.

+M. Basil Pennington, ocso

Tradução de Márcio Luiz de Oliveira, Coordenador de grupo de Oração Centrante e "Contact Person" do Contemplative Outreach em S. Paulo, SP.