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(tradução livre de Jandira S. Pimentel) - tradução de Online Centering Prayer Workshop, por Bill Ryan, e com sua autorização.
A grande compreensão a que chegaram os primitivos Padres e Madres do deserto foi que a "pura intenção conduz à pureza do coração." - (Thomas Keating)
Um mestre de enorme sabedoria e capacidade de articulação do caminho contemplativo é Evágrio Pòntico. Ele define três elementos da vida espiritual contemplativa em seu trabalho "Pratikos" e Capítulos sobre a Oração.
O primeiro é "pratica", ou como se desapegar de pensamentos vãos. O segundo é a contemplação do Criador em sua Criação, o aspecto Encarnacional da prática contemplativa. O terceiro, é a contemplação sem imagens de Deus mesmo, ou Pura Oração. Esta é a dimensão apofática primeira de sua prática.
Seguindo a sugestão de Jesus de que o pecado ou o mal começa com nossos pensamentos, Evágrio categoriza oito tipos de pensamentos: aqueles sobre Desejo - Gula, Concupiscência, Avareza, e aqueles de aversão ou irritabilidade: Tristeza, Raiva, Vanglória e Orgulho. O oitavo é Acedia, ou Apatia, que é considerado o mais sério tipo de pensamento, pois envolve a tentação de desistir da jornada espiritual.
Evágrio reconhece que os obstáculos à nossa total consciência (awareness) de Deus, de estar em Paz em Deus, começa com pensamentos, que nos retiram de nosso centro e de nosso completo descanso em Deus. Aprendendo a controlar os pensamentos, nao dando Atenção ou colocando a Intenção neles, estes perdem seu poder sobre nós. Com o passar do tempo começamos a atingir graus no estado de Apatheia (nao a apatia que conhecemos, como um estado de não-desejo, de não-comprometimento com, langor, mas o desapego/desprendimento em relação às coisas criadas - nt), que é o estado de calma ou paz, fruto da liberdade das paixões e inquietações. Aqueles que rezam atingem a liberdade, permitindo que pensamentos nasçam e desapareçam sem que estes atinjam o patamar do desejo (de por exemplo, realizar o pensamento - nota trad.)
Esta é uma compreensão que é chave para o entendimento do caminho da paz e da liberdade. Para Evágrio isto é o portal, e apenas o portal para o exercício pleno da Fé, que é dar o nosso radical consentimento à Presença e Ação de Deus em nós. Mas, esta é uma grande compreensão psicológica e espiritual em relação à libertação, tanto do pecado como dos nossos estados emocionais. Ambos se iniciam com pensamentos. Quanto mais conscientes estamos dos pensamentos, mais podemos fazer nossas escolhas entre nossos pensamentos, selecionar aqueles aos quais damos volição (aqueles nos quais nos deleitamos, desejamos ficar com - nota trad.) bem como arcar com as consequências dos mesmos. Discernimos se os pensamentos nos levam à paz e a Deus, ou para longe da paz e maior desarmonia com a Presença de Deus dentro de nós. Também chegamos ao estado de puro ser, que é abaixo, acima, e além do Conhecimento.
A "pratica" entao conduz a "apatheia" - Apatia, que por sua vez conduz a um grande desejo para o amor de Deus, que conduz à intencionalidade e ao consentimento radical da entrega, de abandonar a nós mesmos, nossas vidas, nossa vontade ao Deus que habita em nós.
O segundo elemento da pratica é o de buscar através de imagens e do mundo natural os significados internos da criação. Este é o modo catafático, o caminho da reflexão, que busca de modo encarnacional e intelectual, um estado de maior devoção e compromisso com o caminho espiritual, mantendo a mente fixa em Deus. Então, de certa forma, o apego aos pensamentos é substituído por pensamentos relacionados à busca de Deus.
O terceiro elemento da prática é a contemplação de Deus, ou oração pura. Este é o caminho apofático da oração sem imagens, que as duas primeiras práticas preparam.
É então o abandono de todos os pensamentos preparam a pessoa como um vaso, pronto a receber o presente da contemplação, que é a consciência direta da Presença Divina. "Feliz é o espírito que atinge a perfeita ausência de formas na hora de sua oração... Feliz é o espirito que atinge a completa não-consciência de toda experiência sensível na hora da oração." - Evágrio Pôntico.
A prática de rezar com uma palavra ou frase da Escritura foi levada ao monasticismo ocidental na prática da Lectio Divina que permanece até hoje.
Sto. Isaias o Solitário, um monge do deserto da Palestina, confirmou que na prática da "lembrança de Deus" que é um despertar para ou um des-cobrir a Presença Divina que habita no interior do homem, os pensamentos se tornam um obstáculo a essa plena realização. Interessante observar que ele usa um termo para oração, "lembrança de Deus", usada pelos Sufis na prática Dikhr de cantos repetitivos. Contudo, ele não formula uma metodologia para manter essa prática.
S. João Cassiano
João Cassiano, importantíssimo Padre do Deserto, em cujos relatos (S. Bento mais tarde basearia sua Regra dos Monges), do monasticismo egípcio, na Conferência Dez, detalha o uso de uma formula de oração usada como recurso para focalizar a concentração na oração. Ele relata como os monges do deserto incorporaram uma palavra ou frase da Escritura como sua Palavra de Oração. Usando uma "Palavra de Salvação" na oração, ou no dar uma Palavra de Salvação nos Ensinamentos e Bençãos, era então prática comum. Ele recomenda uma frase de um salmo, "Oh Deus, venha em meu auxilio, O Senhor, apressai-vos em socorrer-me." Ele vê essa repetição como uma fórmula de oração continuada a ser usada e incorporada na consciência de maneira que se torne o "orar sem cessar" (de que nos fala S. Paulo). Ele não receita ou dá instruções sobre como lidar com os pensamentos mas ao contrário, focaliza na INTENÇÃO pela qual o devoto retorna incessantemente à sua fórmula de oração, direcionando todos os pensamentos e desejos para Deus. (Vejam aí o início da Oração Centrante). O deleite derivado dessa oração permite ao devoto voltar-se de pensamentos e prazeres que distraem e direcioná-los para Deus somente. O fim dessa transformação pessoal é habitar no Amor. "Entao, será realizado em nós, o que nosso Salvador rezou quando falava ao Seu Pai: "Que o Amor que Tu me tens esteja neles e eles em nós."
A oração de Cassiano permanece como invocação primeira na liturgia das horas até hoje.
Em seguida a Cassiano, houve um aprofundamento maior em relação a oração na tradição do deserto. Talvez o mais importante desenvolvimento desse período, que continua na tradição Ortodoxa Oriental até os nossos dias, foi o da Oração de Jesus, como uma poderosa e onipresente forma de "lembrança de Deus". Pensava-se no poder da palavra "Jesus", que em si mesma continha um efeito salvífico e purificador, alem do auxílio psicológico no desapego de pensamentos perturbadores.
A tradição oriental da oração do deserto é talvez melhor expressa por João Clímaco, um monge que viveu perto do Sinai por volta do ano 600. Ele pregava a oração de uma frase, chamada "monologistos". Ele acrescentou a dimensão de harmonizar a palavra com a respiração. Em sua "Escada da Ascensão Divina" ele dá maiores dimensões da prática contemplativa Ortodoxa Oriental. A prática assim é apresentada, um passo apos o outro: 1 - Aquietar os pensamentos (apothesis), e 2 - a lembrança de Jesus unida a respiração, conduzindo a apreciação da Quietude (hesychia). A fase inicial é o deixar de lado as distrações na prática do monologistos, a fase mediana é a concentração no que está sendo dito, e a conclusão que é o arrebatamento em Deus. O resultado dessa prática é a conversão de todo desejo em um único desejo, Deus. "Conheço hesicastas cujo ímpeto inflamado por Deus é sem limites. Eles geram fogo por fogo, amor por amor, desejo por desejo." - João Clímaco.
O uso da Oração de Jesus ou Oração do Coração passa por maior desenvolvimento na tradição oriental, até o presente. E, Philotheus do Sinai, em seus Escritos da Philokalia, sobre a Oração do Coração, também estende-se na psicologia dos pensamentos, pecado e vícios. Ele descreve a habilidade da mente em resistir ou desapegar-se de pensamentos e consequentemente encontrar maior liberdade. Ele descreve o processo de enredar-se (prender-se) em pensamentos como se segue. 1 - impacto - o primeiro estágio quando o pensamento ou imagem é produzido na mente, 2 - identificação - quando a mente se engaja com algum ato da vontade ou interesse no pensamento ou imagem, apego, ao invés de desapego, 3 - mesclando-se ou fundindo-se com o pensamento - o envolvimento da vontade e da ação com o pensamento ou imagem escolhida, 4 - aprisionamento - a imagem ou pensamento se tornam ativos em uma escolha consciente na direção da ação ou dependncia, ou completo envolvimento no pensamento ou imagem de um modo desarmonioso com a busca de Deus. Essa compreensão é consistente com as teorias cognitiva/afetiva e cognitiva/comportamental da Psicologia contemporânea.
Em resumo, nos relatos dos Padres e Mães do deserto monástico, estes buscaram aprofundar sua busca da experiência de Deus. Na sua busca e descobertas temos o essencial do que conhecemos ser uma bem formulada prática da Oração Centrante. Estas incluem, em primeiro lugar, a teologia da Presença Divina em nós e a afirmativa que a promessa dos Evangelhos de Jesus serão cumpridas em nosso despertar para e em nosso consentimento à Presença e Ação de Deus dentro de nós. Outro ensinamento essencial é que há um método simples, um modo de consentir e obter a vitória sobre os obstáculos de nossos próprios pensamentos, nossa parcela da condição humana, a paz mais profunda, alegria e completa transformação em Deus, ao rezarmos no silêncio e quietude no centro mais profundo de nosso ser. E podemos facilitar o processo com um simples fundamento numa Palavra Sagrada que é nosso Símbolo do consentimento radical à Presença e ação transformativa de Deus em nós.
Com o tempo nossa Intenção é purificada e fortalecida de modo que perpassa toda nossa prática de oração, toda nossa vida, conduzindo a um maior abandono a Deus. E ao final, os frutos dessa transformação em Deus levam a uma maior capacidade de amar a Deus, a nós mesmos, uns aos outros e o mundo em que vivemos e a servir ao mundo com paz e justica.
Referência: Steven Hatch - "Prayer and the Interior Life in the Tradition"
Sta. Maria do Egito e S. Zózimo